quarta-feira, 2 de outubro de 2019

LER ou VER, SER TURISTA ou VIAJANTE


Uma imagem vale mais que mil palavras.
(Confúcio)

Faz algum tempo, dei uma palestra no Museu Casa Fritz Alt sobre “ler ou ver” uma imagem, “ser turista ou viajante”, cujo título era: “Ler ou ver, eia a questão!”. Parece algo óbvio, simples, mas que requer um pouco de atenção para que se perceba uma tênue mudança de atitude dependendo do verbo escolhido, da intenção, da atitude.

O provérbio de Confúcio, exposto acima, nos coloca uma pulguinha a frente do nariz. E por que não atrás da orelha? Simplesmente pelo fato de não podermos vê-la neste local. Mas quando ela fica exposta, há uma série de questões a respeito da pulga que surgem. De onde ela veio? Por que está ali? Vai me picar? Vai pular para longe ou em mim? Por que é tão pequena? O que ela faz aqui e não está no seu lugar, no pelo de algum cachorro, por exemplo? Por que é marrom e não de outra cor? Por que não tem asas? É pré-histórica?... Enfim, um inseto tão pequeno suscitou algumas reflexões, não é mesmo? Trata-se de um pequeno ponto marrom imaginado na frente do meu nariz que me levou a pensar em tantas coisas, lugares, possibilidades. Levou-me da curiosidade a raiva, pois ali, na minha concepção, não seria o lugar dela. E por que deveria estar num cachorro? Por que ele é seu hospedeiro, além do gato e outros mamíferos e aves; e ela, sua parasita. Sem entrar nos méritos de remédios para parasitas, defesa animal, enfim, vamos nos ater ao exemplo em si e as questões, visto que se eu tivesse um cãozinho iria detestar mais ainda a dita pulga.

Ora, escrevi um parágrafo imenso sobre uma pulga, ou melhor, sobre a imagem que criei de uma pulga e que já está povoando a sua cabeça. Ela apenas me serviu de exemplo para sugerir qual postura deveríamos ter diante de uma obra de arte, trabalho artístico, objeto de arte, vídeo arte, livros sem texto, gravuras, desenhos, cerâmica, enfim sobre a Arte. Ou seja, a postura de uma criança ou de um cientista, isto é, a postura de um ser curioso diante do desconhecido.

Vamos enveredar por outro caminho. Você já pensou se tem um olhar de turista ou de um viajante?
Pois bem, o turista geralmente tem pressa porque vai com tempo contado, muitas vezes em excursões onde cada um tem seu interesse próprio. Turista gosta de tirar selfies para dizer que esteve naquele local. Contudo não interage com o local. Olha tudo, mas não observa nada. Quer fazer as mesmas coisas que faz na própria cidade: ir a algum shopping, comer o de sempre e fazer compras. Fica ausente da história do lugar. Não experimenta a dor de barriga de uma boa feijoada local.
Selfie

O viajante, por sua vez, leva pouca bagagem, costuma fotografar o que vê, tira uma ou outra selfie, quando lembra. Ele interage, questiona, conversa, é curioso a respeito da história do local que está visitando. Não tem pressa, pois poderá voltar outras vezes para conhecer melhor o lugar. O viajante é investigativo. Ele viaja para querer saber, para agregar conhecimentos, para desbravar culturas. Não tem pressa, pois seu objetivo é aprender com aquele novo ambiente, com as pessoas daquele local. E se der uma boa dor de barriga, ele aproveita para conhecer os chazinhos para aquele mal e fazer amigos.
Praia da Enseada – ago 2019 – por Miriam da Rocha

Portanto, o turista corre, o viajante anda; o turista engole, o viajante saboreia; o turista olha, o viajante observa; o turista fala, o viajante escuta.

Visitar espaços culturais (museus, galerias, centros culturais, pinacotecas), pode ir além de um passeio, quando unido à curiosidade do viajante. Ali acontecerá uma interação única entre você, viajante/visitante, e a própria arte! Ela se apresentará ao vivo e em cores na frente do seu nariz, como a pulga sugerida acima, porém algumas serão tão grandes que você precisará de calma para observar seus detalhes e paciência para ouvir suas respostas.

Pense, quando você visita alguém você dispende de tempo para estar inteiro naquele local com aquela pessoa. Portanto, é importante ter a mesma atitude ao visitar um espaço cultural, ir a um show de música, ir ao teatro, ler um livro. A atenção deve estar voltada para quem está sendo visitado!
Espaços culturais, especialmente os Museus, são um templo sagrado da história da humanidade. Pensamento avesso da maioria das pessoas que foram treinadas a ver o museu como uma espécie de depósito. Contudo, o diálogo que se tem com a história, nesses ambientes, é único! Mas para isso se tem que estar disposto a conversar, não necessariamente com pessoas, mas com a própria arte que ali se apresenta.

Costumo dizer para meus alunos que toda obra de arte é fofoqueira. Ela tem muito a dizer do seu tempo e do tempo atual. Mas você tem que estar disposto a manter esse diálogo. Lembre-se do que Confúcio (551-479 a.C) disse há mais de dois mil anos atrás, que uma imagem fala mais que mil palavras! Imagens são um sem fim de possibilidades. Elas trazem as referências de uma cultura próxima ou distante, de um tempo próximo ou distante, de uma sociedade próxima ou distante que, unidos a sua referência cultural, ao seu tempo e a sociedade na qual você está inserido, serão transformadas em conhecimento, em uma experiência única e individual.

Então, não tenha receio de ser ignorante naquele assunto. Ninguém sabe tudo, não somos computadores que armazenam dados, mas penso que somos seres que devem e precisam armazenar emoções. E a Arte é emoção, é conhecimento, é história, é ciência, é espiritualidade, é humana!

Logo, banalizar a arte é banalizar o ser humano.

Boas viagens!

6 comentários:

  1. Delicia de texto... Adorei!!!! Que saudade de ouvir você!!!! Você se representa quando diz:"A arte é emoção,é conhecimento,é história,é ciência,é espiritualidade,é humana!" E eu complemento... Tudo isso,é Miriam!!!!

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    1. Obrigada!!!
      Procuro sempre tornar a linguagem escrita acessível. Me coloco no lugar do leitor ;)
      Gostaria que colocasse sua identidade, pois está como desconhecida...

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  2. Absorvendo sua escrita e sentimento, vejo quão viajante sou e tanto viajo em distâncias e lugares, quanto viajo procurando aprender com as artes. De ambas as experiências saio sempre um pouco (ou muito) diferente e isso me alegra sobremaneira! Às vezes me surpreende. Ambas me fazem pensar e isso me alimenta. Vida a ser vivida, instante a instante, deliciosamente, curiosamente.

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  3. Adoro viajar Miriam. Para mim não é só conhecer um local novo, mas interagir com as pessoas e a cultura, saber como vivem, o que fazemos hora de lazer, seus hábitos, comida, enfim, sua história. Adorei seu texto pois ele remete justamente a essa vivência única que nos enriquece como pessoas. Um grande abraço para ti. Selma

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