ARTE CONTEMPORÂNEA...
O que é afinal,
Arte Contemporânea? Para mim, um conceito a se pensar já que a palavra “contemporânea”
pode se referir ao que é ou foi do mesmo tempo, da mesma época e pode, portanto
estar distante de nós, como Leonardo da Vinci e Michelangelo ou Aleijadinho e
Mestre Athaide. Mas “contemporâneo” também se refere ao nosso tempo, ao que
estamos vivendo, vendo e convivendo aqui e agora!
Fig. 1: A
Escola de Atenas, 1509 a 1511 – afresco – 5m x 7,7m – Vaticano – Roma – Rafael
de Sanzio
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_de_Atenas#/media/Ficheiro:Escola_de_Atenas_-_Vaticano_2.jpg
Ou seja, a Arte
Contemporânea contempla tudo o que se está produzindo nesta época, neste
momento histórico, desde desenhos clássicos até o estudo de linhas coloridas ou
não, finas ou grossas e em diferentes posições num suporte que não
necessariamente precisa ser o papel, por exemplo. Contudo essa nova maneira de
produzir arte precisa de um novo olhar para apreciá-la.
Como explica
Couquelin, a arte agora é um sistema, um ‘Estado Contemporâneo’, ou seja,
significa que esse sistema não é mais o
sistema que prevaleceu até recentemente; ele é o produto de uma alteração de
estruturas de tal ordem que não se podem mais julgar nem as obras nem a
produção delas de acordo com o antigo sistema. (2005, p. 15)
Não compete a
mim saber qual nome se dará daqui a algum tempo, uns 50 anos ou menos, para tudo
o que está sendo produzido, dentro deste momento contemporâneo. Até porque já
não mais estarei por aqui. Mas creio que posso contribuir para amenizar a
antipatia que causa em muitos quando se fala da Arte Contemporânea.
A Arte
Contemporânea ficou e continua sendo estigmatizada como algo estranho, de
difícil compreensão e, talvez, individualista, para muitos. Como em todos os períodos
históricos há uma produção de alta qualidade e outra, nem tanto, na visão
atual. Porém essa arte não tão aclamada agora daqui a alguns anos poderá
requerer sua qualidade, seu feito histórico.
Voltemos no
tempo e pensemos no Barroco do séc. XVII na Europa. Este estilo foi recebido
como algo exagerado, disforme, dramático ao extremo e seu pomposo nome de hoje
surgiu, segundo alguns estudiosos, justamente por se tratar de algo rude em
comparação ao Renascimento, que era clássico, equilibrado, científico, feito
com cores suaves e dentro de proporções corretas desenvolvidas com muito estudo
(fig. 1).
Para começar, a origem da palavra Barroco,
segundo o dicionário etimológico online, vem
Do francês boroque, que significa
“irregular”.
Existem diversas hipóteses sobre a real origem do
termo “barroco”.
Alguns etimologistas acreditam que a palavra tenha se
originado a partir do grego baros, que significa “pesado”,
enquanto outros defendem a ideia do surgimento a partir do italiano barocchio,
que quer dizer “engano” ou “fraude”.
No entanto, a versão mais aceita sugere que tenha
aparecido na língua portuguesa a partir da versão em espanhol berrueca ou
do francês baroque, que teriam sido evoluções do latim verruca,
que significa “verruga” ou “irregular”.
Na língua portuguesa, barroco é uma pedra irregular
granítica ou uma pérola de forma irregular. Esta palavra aparece com esta
definição no dicionário da língua portuguesa desde o século XVII.
No século XVIII, a palavra barroco começou a ser
associada a tudo o que era irregular, extravagante ou desigual, principalmente
em referência às obras artísticas que surgiram após o período do Renascimento.
Pois é, o
Barroco também não era nada gracioso para aqueles que foram seus
contemporâneos. Mas deu um pouco (eu disse um
pouco) mais de liberdade para trabalhar a cor, experimentar o que havia de
novo, distorcer a perspectiva central e científica, desequilibrar a imagem,
visto que a vida estava incerta, na época, com a Contrarreforma.
Caravaggio (fig.
2), por exemplo, foi um gênio na criação de cenários para pintar o mais
realisticamente possível as imagens encomendadas pela Igreja Católica e pelos
colecionadores da época. Trabalhava com modelos vivos num grande palco que
montou num dos seus ateliers, criando até mesmo maneiras de utilizar a luz para
dar dramaticidade as cenas que compunha. Deu sua contribuição inclusive para o
teatro, o cinema e a TV.
Foi totalmente
oposto ao equilíbrio dado às obras pelos renascentistas, o que faz sentido,
visto que o artista de qualquer momento histórico está antenado com sua época e
pensa além dela.
Fig. 2: Vocação de São Mateus, 1599 ou
1600 – óleo sobre tela – 3,22 x 3,40m – San Luigi dei Francesi – Roma – Michelangelo
Caravaggio
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:The_Calling_of_Saint_Matthew_by_Carvaggio.jpg
Caravaggio mostrou
um mundo em movimento, em mudança. Bem oposto ao classicismo trazido pela
linearidade do Renascimento. E houve uma época em que a produção Renascentista
e Barroca foram contemporâneas, até a segunda sobrepujar a primeira. Inclusive
entre ambas houve o Maneirismo que ajudou nesse período de transição. Uau!
Quanta contemporaneidade!!!
Contudo uma nova
arte exigiu um novo olhar. Sabemos que qualquer tipo de mudança gera um período
de estresse, de negação, até de um certo horror, pois o mundo equilibrado que
se pensa viver vira de cabeça para baixo.
Qualquer
semelhança não é mera coincidência. A História nos mostra isso. E nunca podemos
isolar o artista do tempo em que está inserido, podemos isolá-lo de nomes dados
a estilos e movimentos. Aliás, hoje não temos mais esta divisão entre estilos
ou movimentos, pois os artistas trabalham suas ideias individualmente dentro de
técnicas semelhantes, como no caso do Grafite.
É preciso
lembrar que a contemporaneidade traz materiais diferentes, tecnologias a serem
exploradas, suportes diversos, junto com todos os materiais já desenvolvidos e
existentes até então. Tinta a óleo, carvão, lápis grafite, aquarela, guache,
gravura, mármore, bronze, madeira, ganharam novas aplicações e se uniram aos
jovens como tinta acrílica, silicone, peças de carro, isopor, EVA, vídeos,
plástico, recicláveis em geral, objetos e imagens prontas e até esterco de
elefante!
O artista tem
liberdade para criar com o que tem em mãos. É um trabalho árduo, de pesquisa,
experiência, introspecção. Este PROFISSIONAL pode questionar a forma, a cor,
ambos, a sociedade, a si mesmo, a religião, a política. Pode desafiar a física,
o tempo, a tecnologia. E tudo isso nos afeta diretamente, pois se antes havia o
certo e o errado, hoje não mais existe.
Coloquei a
palavra profissional em caixa alta porque ainda se pensa que o artista ou é
meio lunático ou que recebe alguma entidade. Trago isso em respeito aos
artistas e a todas as religiões que acreditam ou não nas entidades. Tivemos
artistas como a sueca Hilma af Klint que produzia segundo ordens ocultas. Mas
isso será, quem sabe, assunto para outra publicação. O que é importante frisar
aqui é que artista é um profissional como qualquer outro. O que já expliquei no
texto anterior.
Voltemos ao
tema.
Pense comigo, se
eu me sinto afetado por algo é porque não o entendo. E para entendê-lo eu
preciso mais do que um manual, preciso abrir minha mente. Nenhum radicalismo é
inteligente e minha opinião não é a única nem a totalmente correta, se é que
está correta ou o foi em algum momento.
Talvez o mais
importante da Arte Contemporânea não seja discutir seu valor monetário. Por que, por exemplo, o “Tubarão”, de Damien Hirst conservado em formol, foi vendido por 6,5 milhões
de libras (hoje, cerca de 8,32 milhões de dólares)? Sendo que ele foi substituído por outro, já que o original entrou em decomposição? Talvez melhor seria perguntar O QUE esse tubarão
conservado em formol pode nos dizer a respeito de como tratamos tais animais, o
oceano e até mesmo a vida marinha em geral entre outros questionamentos que nos façam ver além de um tubarão morto dentro de uma caixa transparente.
Tubarão, Damien
Hirst ( - Coleção Particular
Título original: The Physical Impossibility Of Death In the Mind Of Someone Living
(Impossibilidade física da morte na mente de alguém
vivo)
Fonte: http://lounge.obviousmag.org/transfigurar/2012/04/hirst-o-tubarao-e-a-arte-segundo-arthur-c-danto.html
- acesso em 30 out 19
Pintar
um tubarão seria mais fácil do que conservá-lo com aparência de vivo por muitos anos. Porém, agora vale
mais a ideia do que o material e nem sempre o artista faz a obra, mas a
projeta. Exatamente como no Renascimento. Ou você pensa que Rafael pintou todos
aqueles murais sozinho! Quanto aos tubarões, eles ainda morrem sem suas
barbatanas pelos oceanos afora em prol da vaidade humana e sustentando famílias
Usando e
abusando do Renascimento como exemplo, doce ilusão quem pensa que todos tinham
acesso às obras mitológicas da época. Elas eram feitas para uma elite que sabia
ler e tinha acesso à mitologia e isso os tornava diferentes das outras classes.
Hoje babamos por elas. São realmente belíssimas e cheias de simbologia, assim
como as obras feitas neste nosso momento. Assim como o Tubarão de Hirst. Mesmo
as obras mitológicas do renascimento requerem estudo, pois não sabemos que
deuses e deusas são e muito menos o que queriam dizer para a época.
Sempre falei e
falo para meus alunos que toda obra é fofoqueira. Basta você conversar com ela
que ela te responderá alguma coisa ou te fará perguntas. É como uma paquera.
Mesmo um “Quadrado negro sobre fundo branco”, de Malévich tem muito, mas muito
a nos contar sobre suas ideias, sobre o cheio e o vazio, sobre o cosmos.
Quadrado
negro sobre fundo branco – 1918 – óleo sobre tela – State Russian Museum – Kasimir Malevich
Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Suprematismo#/media/Ficheiro:Malevich.black-square.jpg
– acesso 30out19
Picasso teve
medo de expor sua “Senhoritas de Avignon” de 1907, pois sabia que os olhares
não estavam prontos para ela. Vendeu-a para um alfaiate porque sua mulher, na
época, não queria ver aquela “aberração”. Hoje é venerada no Museu de Arte
Moderna de Nova Iorque. Ela é muito mais que cinco prostitutas, do que mulheres mascaradas! Ela nasceu de um
estudo de aproximadamente 750 desenhos!
Les Demoseiles de
Avignon, 1907 – Museu de Arte Moderna de Nova Iorque – Pablo Picasso
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Les_demoiselles_d%27Avignon –
acesso 30 out 19
Procurei trazer
exemplos de obras e artistas que inovaram e inicialmente os olhares se voltaram
contra eles. Poderia ainda citar os impressionistas, os surrealistas, os
dadaístas e muitos outros. Todos nos ensinaram e ensinam a ter um olhar
diferente sobre as obras, a sociedade, a técnica e sobre o próprio artista e
sua visão de mundo.
Eu pergunto, então,
como olhar uma obra hoje se a contemporaneidade nos trouxe uma pressa nunca
vista antes? Pense, se não temos “tempo” de conversar com um amigo, imagina com
uma obra de arte! Porém, vale lembrar que o que nos torna diferentes dos outros
seres é justamente este diálogo com nossos amigos e com as artes, sejam elas as
visuais, a música, a literatura, o teatro, a dança, o cinema...
Para finalizar,
gostaria de frisar que uma nova arte
necessita de um novo olhar despido de conceitos e preconceitos, de dogmas,
de radicalismo, de antipatia. Não precisamos gostar, contudo precisamos
compreender para respeitar. Também se faz necessário entender que uns nasceram
para criar arte outros para apreciá-la, mas todos nascemos para pensar o mundo
e tentar fazê-lo melhor!
Referências
BARROCO. Disponível em
https://www.dicionarioetimologico.com.br/barroco/ - acesso 24 out 19
CARAVAGGIO, Michelangelo. A Vocação de São Mateus. Disponível em
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:The_Calling_of_Saint_Matthew_by_Carvaggio.jpg
– acesso 24 out 19
COUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea: uma introdução. Trad. Rejane
Janowitzer. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
HIRST, Tubarão. Disponível em http://lounge.obviousmag.org/transfigurar/2012/04/hirst-o-tubarao-e-a-arte-segundo-arthur-c-danto.html - acesso 30 out 2019
MALEVICH,
Kasimir. Quadrado negro sobre fundo branco. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Suprematismo#/media/Ficheiro:Malevich.black-square.jpg
– acesso 30 out 19
PICASSO, Pablo.
Les Demoseiles de Avignon. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Les_demoiselles_d%27Avignon
– acesso 30 out 19
SANZIO, Rafael. A Escola de Atenas.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_de_Atenas#/media/Ficheiro:Escola_de_Atenas_-_Vaticano_2.jpg
– acesso 24 out 19
"Pensar o mundo e tentar fazê-lo melhor". Essa frase é tão contemporânea que dói na alma.
ResponderExcluirParabéns Miriam pela sua trajetória intelectual e pela sua generosidade em compartilhá-la.
Obrigada, Angela! Partilhamos da mesma dor na alma, não é mesmo? Não sei se chamaria de generosidade, mas sinto que preciso partilhar! abraço carinhoso!
ExcluirMuito bom Mirian.Falar da Cultura eleva a alma. Faz bem a quem divulga e a quem recebe. Bj
ResponderExcluirVerdade, Maria do Carmo! E como faz bem!!! Abraçossss
ExcluirMaravilhoso texto. Como sempre muito conhecedora do que escreve. Que leitura gostosa..acessível.. Parabens!
ResponderExcluirFico feliz que seja acessível! Pois o que mais quero é que as pessoas não se sintam distantes da arte, produção humana para humanos ;). Redundante, mas verdadeiro! bjs
ExcluirObrigada Miriam, por compartilhar conosco essa maravilhosa análise!
ResponderExcluirObrigada por dar retorno a respeito do que escrevo! Procurarei sempre melhorar!!! bjs
ExcluirUauuuu Miriam, que aula! Arte Contemporânea é realmente um caso a parte...rsrsrs. As vezes, o que é belo pra mim, para outra pessoa não o é...o que me provoca, o que me questiona, por vezes, pode passar desapercebido para outros...enfim, arte é vida, é alma pulsante, que só vê e entende, quem está pronto para tal....meu sonho é ter olhos, coração e alma, sempre abertos para esses sentimentos. Obrigada por me instigar mais um pouquinho!!!
ResponderExcluirVocê me provocou para um tema interessante "o belo"! Obrigada a você por ler meus textos e dar sua opinião! bjs
ResponderExcluirUhuuu...aguardando anciosa! Esse é, daqueles assuntos, que dão pano pra manga! Rsrs
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